Thursday, September 18, 2008

Abusado

Comprei este livro há cinco anos, durante a noite de lançamento, ainda na faculdade. O autor, Caco Barcellos, estava lá promovendo seu novo registro investigativo-literário. Na empolgação, comprei o lançamento da noite, Abusado, e o anterior, Rota 66. Aproveitei a oportunidade e segui para a fila de autógrafos. Conversei brevemente com ele que, pacientemente, dedicou os dois livros, escrevendo as seguintes palavras:

"Iana, muito obrigado por dar importância ao meu trabalho. Com carinho, Caco Barcellos."

Ao me devolver os livros ele ainda olhou para mim e fez um pedido: "Gostaria de saber sua opinião sobre as histórias. Meu e-mail está aqui". Fiquei meio perplexa. Como assim? Caco Barcellos pedindo opinião a uma aluna de jornalismo que ele nunca viu na vida? E ainda por cima escrevendo o seu e-mail pessoal no meu livro? Saí de lá impressionada com a simpatia dele, mas acabei deixando os livros de lado. Na época as atividades da faculdade não me deram folga e priorizei outras coisas.

Há uns dias atrás peguei uma virose brava e fiquei em casa a semana toda. Resolvi então ressucitar algo que nunca li. Abusado saltou aos meus olhos. E assim me envolvi nessa história.

O livro é resultado de quatro anos de investigação do Caco, um dos melhores jornalistas do ramo no país, sobre uma das maiores mazelas do Brasil: o narcotráfico. O fio que conduz a história é a vida de Marcinho VP, um traficante que se tornou famoso por viabilizar a gravação de um clipe do Michael Jackson na favela Dona Marta. Provavelmente você deve se lembrar disso.

No livro Marcinho é Juliano, um homem ambicioso, fruto de uma comunidade excluída do Rio de Janeiro. Sua vida foi um retrato do paradoxo entre o sonho e pesadelo dos jovens moradores de favelas de todo o país. Ele definiu sua vida como "o lado certo da vida errada". Mas será que a vida errada tem um lado certo?

Para descrever essa história, Caco abriu mão do maniqueísmo existente em muitos contos do gênero, explorando todas as nuances que foram possíveis. Marcinho/Juliano é bom e mau. Ao mesmo tempo em que o jornalista humaniza os "bandidos", como eles mesmos se chamam, ele não deixa de relatar a crueldade dos crimes cometidos. Mas qual seria o crime maior? O tráfico de drogas, a exclusão social, a corrupção da polícia, a injustiça ou os assassinatos de inocentes de ambos os lados? Parece que cada vez fica mais difícil definir esse limiar.

O livro conta como surgiu o Comando Vermelho, como começaram as ondas de sequestro no país, como funciona o esquema das bocas de fumo, como a sociedade das favelas se organiza. Ele conta também como a JOCUM começou um trabalho super interessante na Dona Marta. Confesso que me emocionei a ler o desprendimento do missionário "Kevin Vargas" ao decidir largar sua confortável vida e ir servir em uma favela. Mais legal ainda é ler seu trabalho de evangelismo e socorro em um livro secular. Caco inclusive conta sobre a "adaptação" de alguns "novos convertidos" à nova vida. Sem deixar de praticar seus crimes, alguns incorporaram em seus assassinatos uma breve pregação: "Aceita Jesus como seu salvador?", perguntavam antes da execução. Quando a resposta era afirmativa, eles comemoravam: "Pelo menos morreu com Jesus no coração". Confesso também que me vi diversas vezes em um dilema moral sobre a atuação de "Kevin". Me refugio então num simples pensamento: ele fez mais do que pregar, ele viveu como cristão num lugar onde poucos se atrevem a pisar. Ponto. Fim do dilema.

Abusado é um livro que me incomodou, e que inclusive está sendo difícil deixá-lo. Aliás, vez ou outra me envolvo de tal forma com o que leio que reluto em parar de pensar sobre o assunto. Com Abusado está sendo assim. Como o livro é o retrato de algo real e atual, me vi na internet pesquisando os jornais da época, relembrando os acontecimentos. Marcinho/Juliano foi assassinado dois meses após o lançamento do livro. Uma morte prematura, mas completamente previsível. Previsível não somente porque ele abriu detalhes do Comando Vermelho à um jornalista, que deu notoriedade à ele como personagem e ao assunto; mas porque esse é o destino mais comum dos "donos" dos morros.

A história de Marcinho/Juliano me incomoda também porque ele foi um homem extremamente inteligente, mas que não conseguiu aplicar seu talento "no lado certo da vida certa". Suas boas idéias, intenções, filosofias não deram à ele uma vida digna. Deram sim, notoriedade, que ao mesmo tempo que o conderam, o tiraram do anonimato, de forma que hoje o mundo em que viveu se torna um pouco menos desconhecido. Sua forma de ver a vida também lhe rendeu aproximação à intelectuais, uma prova de que talvez a barreira entre os morros e o asfalto não sejam tão intransponíveis assim.

Ao ler Abusado não vejo apenas Marcinho/Juliano como alguém que foi abusado com a vida e pela vida. Olho o flanelinha, em quem sempre dou o cano, e o vejo da mesma forma. Penso nas pessoas que já tentaram me assaltar, nos porteiros dos prédios, nas domésticas, nos malabaristas das ruas, nos pequenos e grandes bandidos. De uma forma ou de outra, todos abusados. O detalhe é que agora, sempre que olho para um morro, penso não somente nos "Julianos", mas também nos "Kevins". Se existem pessoas envolvidas com a "vida errada", também existem aquelas que se empenham em ver, acreditar e em extrair o melhor do ser humano, independente de onde ele esteja.

Após cinco anos, acho que agora posso mandar um e-mail para o Caco. Mais do que dar importância ao trabalho que ele desempenha, dou importância ao registro histórico que ele bravamente cavou. Espero que ele continue cavando.
Ps: Aí vai o link do clipe They don't care about us do Michael Jackson, que foi gravado no Dona Marta com o esquema de segurança do Marcinho VP. http://www.youtube.com/watch?v=gCqQ2JcQWGs

Sensação boa

A correria deu uma trégua de poucos dias, e dentro de mim está fervilhando... Adoro essa sensação de coisas borbulhando em mim. Estou cheia de coisas para escrever. Terminei de ler mais um livro, vi vários filmes, fiz dois cursos, viajei, estou com projetos novos e viajo de novo na segunda. Agora estou atualizando os e-mails, colocando o trabalho em dia. Acho que ainda hoje escrevo decentemente sobre alguma coisa. Espero conseguir...

Wednesday, September 3, 2008

De longe.

Esses dias anda um pouco complicado atualizar. Então vou aproveitar essa "entre safra" de posts para fazer propaganda. É sobre o Seminário de Dança que a minha mãe organiza todo ano. Aí vai o link: http://www.belcoimbra.com/index2.html

O seminário é bem legal para interessados, curiosos e apaixonados pelo assunto. Indico mesmo.

Em breve eu escrevo mais. Prometo.